Diálogo de 25 de Maio de 2007, com tira-dúvidas de alunos de um dos cursos online que já ofereci, continuando a troca de idéias do artigo “Astrologia Tropical X Astrologia Sideral – Diálogos e Debates”.
Naquele ano enviei para os grupos de assinantes da newsletter “Astro-Síntese” uma troca de mensagens que envolvia comentários e questionamentos de três astrólogos: Fabiane Silveira, Carole Taylor e eu mesmo, Carlos Hollanda. Essa troca de mensagens tornou-se o artigo supracitado em destaque. O assunto girava em torno de problemas na consideração de hipóteses acerca das astrologias Sideral e Tropical, contendo elementos e discussões que envolviam Astrologia Védica, Tradicional, Medieval, Moderna, Psicológica etc. Aqui partilho com todos a continuação do material, conforme é prometido naquele artigo (aliás, leia-o aqui).
O texto que se segue é também uma troca de mensagens, em resposta a dúvidas apresentadas por um dos estudantes de uma das escolas de Astrologia da qual fui co-criador e na qual atuei entre 1999 e 2013. O outrora estudante, é médico de formação e de profissão. Ocultei seu nome com o intuito de preservar sua privacidade, muito embora ele tenha enviado questões bastante pertinentes, coisa que todo astrólogo, estudante, curioso ou pesquisador comprometido com uma astrologia de qualidade, creio, deveria fazer. Espero, aliás, que ele continue questionando dessa maneira e realizando experimentos conforme se propôs a fazer. Espero também que vocês, novos leitores, apreciem os elementos considerados para que possam fazer suas próprias inferências. Talvez num futuro próximo tenhamos um corpo teórico capaz de embasar melhor as explicações atualmente dadas para o funcionamento da astrologia. Não sei se tal coisa irá alterar muito a nossa prática atual, mas pode responder ao que parece ser uma necessidade, sentida pelos astrólogos contemporâneos, de ajustar seu modo de ver tradicional ao das sociedades nas quais vivem hoje em dia.
Saboreiem!
Carlos Hollanda – conheça o autor clicando aqui
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- OBS.: o autor da pergunta conversava com a astróloga Cristina de Amorim Machado, tutora de vários cursos meus na referida escola que coordenei, dentro da disciplina “Signos, Polaridades e Elementos”. Ele extraiu alguns excertos das lições desse curso e formulou suas questões com base nelas. Cristina achou mais didático e funcional, naquele momento, passar a questão para mim, já que ele sentiu necessidade de uma troca de mensagens mais direta entre o aluno e um dos autores do curso. Eis a resposta:

Livro “Astrologia e as Polaridades – Os Seis Eixos do Zodíaco”. Acesse, clicando aqui.
ESTUDANTE PERGUNTA:
Você diz que há uma premissa na qual a Astrologia postula uma relação física entre o mundo terrestre e o mundo celeste. Antes devemos entender que essa divisão mundo terrestre e mundo celeste é apenas referencial e portanto dependente apenas da posição do observador.
Mas se realmente existe a premissa ela foi colocada pelo Carlos Hollanda, no curso, pela frase: ” … o zodíaco como uma construção cultural que condensa séculos e séculos de interação do homem com as mudanças de ambiente provocadas pelas estações do ano, as quais, por sua vez, são conseqüência do movimento de translação da Terra”.
Como se pode entender, pela interpretação do texto existe sim, segundo os seus autores, uma relação física entre o movimento de translação da Terra e a interação humana que levou-o a ter o assim
chamado constructo zodiacal não importando o período de tempo que seja observado.
HOLLANDA:
Certo, mas considere que a relação física que pode ser afirmada neste caso citado nada mais é que a interpretação que o homem deu aos movimentos e mudanças sofridas por ele e pelo meio ambiente durante a rotação e translação da Terra, bem como dos ciclos lunar e planetário. Ele construiu significados a partir de suas observações e experiências. As manifestações físicas, geológicas ou as forças gravitacionais do sistema solar e do restante do universo por si só não são significativas a ponto de gerar a “influência” astrológica tal qual afirmavam os astrólogos antigos e medievais. Não que, por um paradigma mais atual, isso não possa tornar a vir à consideração séria, mas ainda assim não seria, por exemplo, o “envio” de raios dos planetas de suas posições no sistema solar até a Terra e a cada indivíduo, como se pensava há mais de mil anos. Daí a afirmação de meu texto na apostila a que você se referiu. Embora haja uma ação física do cosmo nesse caso, ela é parte de um processo interdependente que permite a construção de significado e a elaboração de interpretações por analogia com a vida humana. De fato, o corpo humano reage às mudanças cíclicas do planeta, sobretudo aos períodos de maior e menor claridade. Muitas pessoas que passam tempo excessivo trocando o dia pela noite podem apresentar disfunções de sono, humor, depressão. Entretanto, a relação simbólica, sígnica, em termos semióticos, é sempre construída, pois depende de um processo de aprendizado, processo este que constitui-se de uma síntese de elementos físico-químico-biológicos com os culturais e psicológicos. Em outras palavras, Temos a construção social do fenômeno junto com as invariâncias biológicas da relação do corpo com as forças físicas que incidem sobre ele e sobre todos os sistemas (solar, galáxia etc.)
PERGUNTA:
O texto não torna específico que isso tenha sido válido apenas para um período de tempo ou apenas durante uma circunstância como você afirma “…diz respeito à vida na antiguidade, quando a astrologia teria sido formulada e sistematizada com toda a sua rede de significados, …”.
HOLLANDA:
Não, de fato isso não é válido apenas para um período de tempo. Essas estruturas de significado consideradas como perenes, como os arquétipos, subjazem mesmo em condições de alta complexidade social, política e tecnológica, como agora, que trocamos mensagens num meio eletrônico em longa distância. Falando nisso, por motivos que apenas uma teoria como a da Sincronicidade talvez explique, só pude começar a escrever esta resposta uns dois ou três dias após o repasse de Cristina durante a passagem do Ascendente em Aquário, mesmo sabendo que em função de algumas emergências eu seria levado a interromper o texto no meio para retomá-lo depois. Eis que hoje pela manhã [em fins de 2006] o retomei e, mais uma vez, as urgências me tomaram um certo tempo até que terminei o texto justamente enquanto o Ascendente transitava sobre nada menos do que o mesmo Aquário do começo da resposta. O que tem a ver Aquário com tudo isso? A necessidade de questionar as aquiescências e os achismos, além de Aquário ser um signo cujo simbolismo mostra a predisposição a estudos como a Astrologia, em sua ligação com o céu e com o que é tanto “marginal” quanto revolucionário em uma dada época.
Retornando ao tema, posso afirmar, no entanto, que o processo formador que Cristina mencionou anteriormente faz parte do conjunto de fatores que contribuíram para a fixação do simbolismo e do sistema de codificação/decifração dessa configuração interdependente – Homem-Sociedade-Natureza-Cosmo-Tempo -, que constitui a própria prática astrológica. De qualquer forma, há um algo mais que a construção cultural simplesmente não alcança, já que uma posição-decodificação de um aspecto ou localização por signo e casa de um planeta pode ser válida para várias culturas diferentes, talvez até mesmo todas. Infelizmente não há dados para afirmar isso com segurança, mas a variedade de atendimentos com pessoas oriundas das mais variadas culturas usando o mesmo sistema ou “alfabeto simbólico” para a interpretação faz pensar que sim. Isso realmente dá margem a hipóteses perigosas como as causalistas, nas quais os planetas, tal como a própria Lua e o Sol, influenciariam as condições de vida, os sentimentos – a Lua cheia ocorre sincronicamente a alterações orgânicas, não apenas nas mulheres, o que faz com que a vida mental e emocional, que é atrelada ao corpo, ao sistema nervoso, também se altere. Afinal o organismo é um todo que envolve a matéria, as condições mentais e os acontecimentos. Não estou descartando a hipótese causalista, porém, ela é perigosa porque visualiza os planetas e o restante do universo como algo cuja existência obedece a uma concepção antropocêntrica do universo. Nós é que somos antropocêntricos, nossa percepção é que é psicológica, orgânica e semiologicamente centrada em nós mesmos. Além disso, como os astrônomos não cansam de mencionar, e com razão, não há como planetas distantes gerarem alterações significativas sobre a vida terrestre do ponto de vista da Física atual (se bem que já há o paradigma quântico e outras teorias muito bem formuladas em torno da constituição da matéria e da gravitação, que não cabe mencionar aqui – fica para outro artigo – que podem dar alento a essa teoria causalista). Bem, há as interessantes teorias do Jaci Fernandes, um astrólogo de Goiás que elaborou um modelo explicativo pautado no causalismo, mas ainda assim, repito, a perspectiva é perigosa no sentido de resumir o problema a algo mecânico. É claro que pode ser isso TAMBÉM, mas sem deixar de estar profundamente ligado a inúmeros outros fatores de outra ordem.
PERGUNTA:
Você objetiva duas concepções sendo abordadas: uma no curso, com inegável adaptação do homem às mudanças ambientais, e outra que você chamou de saber indiciário que aparentemente, apesar de ter
justificativas históricas, não se originou de qualquer fato real.
HOLLANDA:
Pergunto: o que é “real”?
Sem saber o que podemos chamar de fato de “real”, dá para acrescentar que os saberes e práticas indiciárias não são de forma alguma existentes apenas no passado. Todo o tempo qualquer pessoa pratica algum tipo de construção interpretativa a partir de um índice, isto é, um sinal. Até mesmo quando alguém espirra e quando se diz “saúde”, poucos sabem que isso é a reprodução de um procedimento indiciário extremamente comum. Dizer “saúde” é uma forma amenizada ou positivada de dizer “esse espirro é sinal de que vem um resfriado por aí, portanto, te desejo saúde”. O pescador vive de seus saberes indiciários, assim como o sacerdote sumeriano, que subia em seu zigurate, olhava para o céu e pressagiava com base naquilo que havia catalogado antes ou que catalogaram antes dele. “Isso corresponde àquilo” ou “essa maré trará o peixe X”. Portanto, se “real” aqui é algo que dá a idéia de concretude ou de algo facilmente perceptível, comprovável pelos sentidos comuns, não precisamos nos remeter a um passado distante. Basta vermos as relações sociais mais corriqueiras ao nosso redor.
PERGUNTA:
Sendo antes um sistema simbólico que nada tem a ver com supostas interações físicas dos planetas com a “Biosfera”, sendo, segundo o que alguns astrólogos afirmam, “…fruto de uma cultura da qual também somos herdeiros aqui no hemisfério Sul”, então pergunto: esta, por acaso, não seria apenas uma ilação na qual se tenta dar credibilidade e racionalidade a uma suposição, já que ela não apresenta base? Dizer que é um sistema simbólico não resulta em absolutamente nada, não explica a base da qual ela é originária, não conceitua sequer a existência de uma construção cultural coletiva da Astrologia, opinião que os autores do texto propõem. Dizer que algo é simbólico nos remete a um terreno brumoso onde todas as explicações se tornam possíveis. A Astrologia passa, por esse motivo, a ser vista como uma quimera onde os fatos precisam antes ser ajustados para depois serem utilizados. Texto, infelizmente é texto, não suportando interpretação dúbia que deva ser ajustada para que possa parecer verossímil.
Em tempo, gostaria que você [Cristina] encaminhasse minha pergunta aos autores do curso, pois considero que os Srs. estão preocupados em dar à Astrologia uma abordagem séria que possa
embasar, criar base, para a argumentação feita. Agradeço sua consideração e peço que comunique aos autores minha questão que considero importante para situar a Astrologia e conceituar de maneira adequada seus princípios.
HOLLANDA:
Nós é que agradecemos seu empenho em buscar essas definições, amigo. Eu concordo plenamente que argumentar que alguma coisa é “simbólica” e que apenas essa condição seria “o bastante para explicá-la” é, para dizer o mínimo, insuficiente. Pensando nessa busca, no entanto, fico me perguntando até que ponto um artista, para pintar um quadro, precisa de um princípio teórico firmemente estabelecido para que sua obra fique pronta e possa causar as impressões que tem que causar naqueles que a virem. Será que você não está querendo ver na Astrologia algo que ela não parece ser, isto é, uma ciência como as biológicas ou as físicas? Nem mesmo uma ciência, com um corpo teórico fechado e consolidado, academicamente falando (para a ciência vigente), a Astrologia é (ainda), pois esse conjunto de teorias não está pronto, está em andamento, muito embora haja profusão de métodos e técnicas para construir interpretações a partir dos dados obtidos.
O máximo que o artista faz é empregar teorias de outras áreas para explicar o que faz e como faz (teorias da percepção, psicologia, semiótica etc.). Ele não tem como teorizar sobre a prática em si. É fazer e pronto. É errar aqui e acertar depois, com o aprimoramento da percepção, da firmeza manual, do traço, do acúmulo de técnicas na memória. Mas isso não se pensa na hora de criar. É criar e pronto, sobretudo se estivermos falando de obras de arte de épocas distantes do Renascimento, seja antes ou depois. Tudo bem, se pensarmos que um artista bem formado pode se valer de teorias da Percepção para criar sua obra, mas mesmo que o processo criativo possa ser enquadrado nas teorias, ele pode ser independente disso.
Na hora que interpreta um mapa o astrólogo não precisa pensar no motivo pelo qual aquilo que está fazendo funciona ele apenas vê que funciona, é algo empírico. O médico faz isso também, apesar de todo o arcabouço teórico-metodológico das ciências médicas e biológicas. A medicina era, há bem pouco tempo, historicamente falando, uma arte, não exatamente uma ciência, bastante empírica. Aliás, utilizava-se de “sinais”, “indícios” (daí o elemento “indiciário”) para diagnosticar. E mais: ainda no Renascimento, ao longo da Modernidade e em parte do século XVIII, em algumas localidades da Europa, continuava bastante pautada pelo conhecimento astrológico. A medicina ainda era galênica em grande medida. Até hoje mantém, em algumas linhas de trabalho, sua herança antiga, medieval e astrológica. Com a exclusão da astrologia do mundo dito científico desde então, a medicina racionalizou-se, mas não perdeu o caráter indiciário que é tão evidente, pelo menos, na decodificação de uma causa mortis ou no exame clínico comum, com o médico pedindo ao paciente para dizer “aahhh…”
O astrólogo faz o mesmo que o artista e alguns tipos de médico, mas difere deles pelo fato de que seu campo de trabalho veio seguindo em segundo plano (ou quinto plano…) no mundo acadêmico-científico do século XVIII para cá. Isso torna a tarefa de verificar suas bases teóricas um tanto mais difíceis. Tanto quanto o artista e o historiador (como explicar teoricamente o que é a história? “o estudo dos homens no tempo” é insuficiente para definir um corpo teórico que a classifique como uma ciência tal qual as naturais – ela se vale de teorias de outras áreas do saber para construir suas argumentações), o pensamento astrológico toma de empréstimo conhecimentos e conceitos de outras áreas. Porém, face ao atual estado da questão, que somente agora, como disse, vem recebendo a devida atenção, mesmo as teorias mais em voga no meio astrológico para justificar o funcionamento da astrologia são problemáticas. Arquétipos e Inconsciente Coletivo, na psicologia junguiana, assim como os “campos morfogenéticos” ou “ressonância mórfica”, na biologia de Sheldrake, até hoje enfrentam sérias resistências no meio científico tradicional. Para certos pesquisadores de grande relevo internacional e de muita aceitação inclusive no Brasil, como o historiador Carlo Ginzburg, autor de “O queijo e os Vermes”, “Mitos, emblemas e Sinais” e “História Noturna – decifrando o sabá”, os arquétipos e o inconsciente coletivo são (palavras dele, não minhas) “pseudo-explicações” para a persistência de mitos e narrativas no imaginário coletivo e em determinadas funções psíquicas que se mantêm independentemente da época e do local em culturas totalmente diferentes. Para ele (veja uma objeção minha a Ginzburg no capítulo 1 desta tese) a questão está ligada ao corpo, o que não deixa de ser uma explicação atraente, embora, possa-se opinar, ainda incompleta e, como astrólogo que vê os resultados de sua prática todos os dias, carente de preenchimento de lacunas importantes, como o fato de que podemos ler o mapa de personalidades asiáticas, que a princípio não receberam o mesmo tipo de valores e códigos culturais que recebemos aqui no ocidente, e ainda assim encontrarmos as mesmas ressonâncias e correspondências em eventos de toda uma vida. Mas a questão é que as teorias sobre as quais nos pautamos também nos deixam nas brumas, ao menos em se tratando do pensamento acadêmico tradicional.
Concluo, por enquanto, que não há uma teoria que formalize o modo como a astrologia funciona. Não foi possível até hoje, talvez em função dos cerca de 300 anos desde o advento do racionalismo iluminista e o gradativo banimento da astrologia dos círculos acadêmicos de pensamento, estabelecer algo do tipo com ampla aceitação em diferentes segmentos do saber, seja ele científico, literário, artístico ou místico. Somente hoje, com uma massa crítica de astrólogos formados nas mais variadas disciplinas, com doutorado até, esse problema vem retornando e os questionamentos necessários tornam a ser feitos. Contudo, o fato de não haver uma teoria ou uma conceituação consolidada não modifica o fato de que na prática verificamos que há algo lá, que aquelas combinações de glifos e símbolos, quando bem traduzidas, correspondem a vivências, talvez a acontecimentos, a experiências internas etc. Do mesmo modo um pescador (aquele sem instrução formal, claro) pode não saber as implicações teóricas e as físico-químico-geológico-oceanográfico-meteorológicas que fazem com que aquele tipo específico de peixe esteja naquela hora em sua rede. Entretanto, ele o pescou, isso é evidente.
A base empírica da astrologia nos leva a não descartá-la e seguir experimentando seus preceitos e modelos tradicionais (mesmo com o advento dos novos planetas, asteróides etc., o que fazemos é pensar como os astrólogos antigos e medievais o faziam, só que com novas linguagens em acréscimo) até que possamos atribuir aos fatores observados uma teoria apropriada ao modelo vigente de pensamento.
Isso não significa, nem de longe, que os astrólogos devam permanecer ignorantes quanto a um possível princípio formulado nos moldes da ciência tal como a conhecemos hoje, mas enquanto isso não ocorre, a astrologia é válida pelos seus resultados. Talvez nem seja possível estabelecer algo assim enquanto o modelo vigente de pensamento científico estiver aí, talvez seja preciso uma outra coisa que não conhecemos ainda, o que continua nos deixando no “terreno brumoso” por ora.
A propósito, escrevi um artigo a respeito desse problema e o mesmo foi selecionado no congresso internacional Gente de Astrologia, de Buenos Aires (o maior evento argentino sobre astrologia – 9 e 10 de junho de 2007). Também apresentei um assunto similar a esse no Encontro Nacional de Astrologia na UnB, em 2005 (leia o artigo clicando aqui). Um outro texto a respeito dos problemas levantados por você (hemisférios, sideralismo…) foi um diálogo que travei com duas astrólogas (uma delas, a Fabiane, residia na época no Canadá e traduziu para nós a parte em inglês na qual ela conversa com Carole, a astróloga de Londres com quem fazia um curso) que, mais adiante, neste texto, estou disponibilizando em primeira mão.
OBS.: o diálogo com as duas astrólogas citado acima está aqui. Clique para ler.
Aparadas as demais arestas, creio que posso responder apropriadamente a uma outra questão que você havia enviado:
PERGUNTA:
Estou com uma dúvida em relação a um conceito básico emitido na lição número 1.
Logo na Introdução existe uma afirmação de que o Zodíaco seria uma construção cultural da interação do homem com as mudanças ambientais provocadas pelas Estações do Ano e que isso teria ocorrido ao longo de vários séculos. Ao aceitarmos que o Zodíaco seria antes uma expressão da perístase temos que aceitar que existem estações diferentes para hemisférios diferentes o que no leva a seguinte situação: aquilo que é característico para um signo de um dado hemisfério, digamos Norte, passa a ser bastante diferente, se não oposta, para o mesmo signo de um outro hemisfério, digamos Sul. Como podemos interpretar essa oposição. Uma outra questão que deve ser ponderada é que essa adaptação às circunstâncias ambientais e que já ocorre há vários anos deve ter sido incorporada ao material genético. Temos sabidamente um ritmo circadiano do nascer e pôr do Sol. Ritmo esse que se manifesta inclusive em nossos hormônios adrenais. Seria então, esse conjunto de informações decorrentes do mapa natal, de ordem genética ou antes de manifestação desconhecida.
HOLLANDA:
Creio que você chegou a um ponto fulcral no problema com a questão genética. Isso sem dúvida ainda pode enfrentar enormes resistências sob diversos ângulos, embora eu mesmo concorde em parte com essa hipótese. Mas como explicar que o ritmo dos planetas, que fisicamente não poderiam gerar alterações significativas em nossos corpos, corresponde tão bem, no tempo e no significado, às mudanças físicas, mentais, emocionais e circunstanciais que sofremos. Como explicar que uma quadratura da Lua progredida com Plutão esteja ocorrendo quase sempre juntamente com situações tais como cirurgias, crises existenciais, depressão, paranóia, perseguição por pessoas compulsivas, experiências diversas com o assunto “morte” (morte de pessoas próximas, grandes perdas financeiras ou materiais, contatos com necrotérios, ver a morte de pessoas desconhecidas acontecerem bem próximo etc.). E o pior, sabendo que a técnica de progressão nem mesmo é algo que ocorre fisicamente, isto é, não é fisicamente observável como um trânsito planetário, é uma arbitrariedade intelectual, como pode corresponder a acontecimentos ou situações que nos chamam tanto a atenção? Uma explicação plausível seria que a progressão remete aos ritmos do corpo, isto é, DAQUELE corpo em especial, não de qualquer outro corpo. O que acontece com você por progressão hoje, pode acontecer comigo daqui a 10, 20 ou 30 nos. O que acontece por progressão com um ser humano numa época não está relacionado ao amadurecimento de seu corpo físico propriamente dito, isto é, não é algo que possa ser generalizado como uma etapa da vida tal qual a infância, a adolescência ou a velhice. As etapas por progressão podem ter o mesmo significado essencial, já que são constituídas por aspectos que ocorrem com o conteúdo do mapa que é comum a todos os mortais. Entretanto, esse significado essencial ocorre para cada um com muita especificidade e, em cada caso, numa época diferente da vida. Como podemos generalizar, dizendo que é um padrão genético comum a toda a humanidade, se esses ritmos não são os mesmos para todos, embora os significados o sejam?
O que concordo na sua proposição, e tentando levar em conta a aversão de alguns pesquisadores pela teoria dos arquétipos, é com a grande possibilidade de haver um vínculo entre as funções do corpo e não só o meio circundante, mas uma totalidade, o universo. Mas aí acabamos, de novo, entrando nas brumas do pensamento científico, pois estamos mexendo em questões que remetem ao místico, ao metafísico e tudo o mais. Uma teoria que até o momento não vi ninguém atacar com propriedade é a da sincronicidade, de Jung, que explica com certa clareza esse funcionamento entre os eventos aparentemente sem relação entre si ao mesmo tempo (ou próximos entre si no tempo), e o significado que a eles pode ser atribuído. E mais: o corpo, sendo ou não do hemisfério Norte, é corpo humano. Quando me refiro ao zodíaco como uma construção cultural, refiro-me à linguagem dele (Cristina havia usado uma terminologia muito apropriada ao falar de linguagem). Em outras palavras, se você olhar para o céu, tanto no hemisfério Norte quanto no Sul, verá passar um monte de estrelas que não têm aquela forma bonitinha que vemos nos livros de astronomia antiga. Não tem forma ali, nós é que as vemos assim, nós as construímos e repassamos culturalmente, nós as antropomorfizamos como afirmei antes, do mesmo jeito que o podemos fazer ao olhar uma tomada de computador (as de três pinos) e vermos ali uma carinha preocupada, com dois olhinhos espantados e uma boquinha entreaberta.
Antropomorfizamos até mesmo quando indicamos animais no círculo zodiacal, pois são animais que de algum modo possuem relação com as culturas humanas, as agrárias ou as nômades-caçadoras. Contudo, são as mesmas estrelas do círculo que convencionou-se chamar de zodiacal. Veja, o fato de haver uma convenção e uma visualização de conjuntos de estrelas em formas conhecidas por si só já mostra que é uma construção cultural. Não é o fato de algumas daquelas construções serem algo exclusivo de antigas culturas do hemisfério Norte que irá atrapalhar, pois elas não falam dos animais ou das formas em si, mas do significado que está por trás delas e que diz respeito à experiência humana, não necessariamente presa às mudanças das estações do ano (esse problema, torno a dizer, abordo na troca de mensagens com Fabiane e Carole, no artigo citado, com link, acima). Não é do Carneiro que aquele setor do zodíaco fala, até porque o zodíaco astrológico não é o astronômico, mas do processo tipicamente humano, que em alguns manifesta-se mais acentuadamente do que em outros, de promover ação, transformações rápidas e fulminantes no ambiente, de mover-se, impulsionar-se, ir direto a algo, atacar, defender, aquecer, irritar, sair da letargia, lutar pela vida. É essa linguagem e essa convenção que foi trazida das civilizações setentrionais ao mundo meridional, que, por sua vez, foi e é habitado por seres de mesmo material e combinação genética e cujas experiências básicas obedecem não só a ritmos sincrônicos aos do universo, como todas as outras formas de vida, mas também a ritmos totalmente particulares de experiências em épocas diferentes que simplesmente não temos como explicar senão apelando para as teorias do inconsciente coletivo e outras como o campo mórfico ou do universo holográfico, por enquanto, mesmo sabendo dos problemas que as mesmas comportam.
Uma coisa posso assegurar: se você nasceu aqui no hemisfério Sul, em meados de junho, você é Gêmeos como as pessoas nascidas na mesma época no hemisfério Norte. Não adianta elaborarmos as mais complexas racionalizações a respeito pensando que encontraremos a “falha” no sistema astrológico, porque simplesmente, na observação empírica, o que se vê, no comportamento do sujeito, é Sol em Gêmeos, não em Sagitário. É um pouco uma questão de tempo de observação, um pouco de “ver para crer” que todo astrólogo tem que desenvolver se quiser continuar são em sua prática e não “pirar” com teorias estapafúrdias ou com “achismos”. É ver acontecer e ver repetir-se inúmeras vezes até se convencer de que é assim que funciona e que se não for exatamente assim, deve estar bem próximo de sê-lo. O porquê funciona é que ainda não deu para saber, isto é, se estivermos pensando como o cientista e não como o místico. Este já tem suas hipóteses faz muito tempo, mas como seu discurso não tem peso no mundo racionalista que conhecemos… entendeu, né?
PERGUNTA (final):
Inicialmente gostaria de agradecer sinceramente suas colocações. Matriculei-me em seu curso para não deixar de ter uma formação digamos oficial e seqüencial com relação à Astrologia. Esse saber já me intriga há vários anos. Sou médico e tenho observado fatos bastante sincrônicos usando as progressões apesar de como você mesmo diz “… não ser algo que ocorra fisicamente”. Venho estudando de forma individual para poder ter uma compreensão que não seja direcionada. Já entrei em contato com vários cursos em São Paulo, minha cidade, apenas para não ser levado a ver a Astrologia segundo um prisma único. Ao mesmo tempo que me delicio com os clássicos como o Tetrabiblos de Ptolomeu ou mesmo os fragmentos das obras de Morin de Villefranche. Apreciei suas ponderações, que são também as minhas, no tocante a esses pontos. Sinto que minha formação médica me inclina a buscar uma explicação mais genética para o problema tal como a apresentada por Horst Ochmann quando, em seu “Instinto Geométrico: O Processo Astrológico a Partir de Kepler” fala a respeito da Genética e Informação uma vez que concordamos que Áries é Áries seja no hemisfério Sul ou Norte. Mas de qualquer maneira não deixa de ser intrigante o fato de que ao mesmo tempo em que a sazonalidade tenha propiciado e mantido o surgimento da Biosfera em nosso planeta ela tenha conseguido transferir de alguma maneira, tal como o DNA da mitocôndria, que o geneticista Howard Jacobs demonstrou ser diferente do humano que a carrega e que tem mecanismo particular de replicação, o mesmo tipo de informação para os nossos ancestrais fossem eles do Norte ou do Sul.
Mais uma vez meu muito obrigado por sua gentileza e atenção.
HOLLANDA:
Eu que, novamente, te agradeço pela pertinência e pela muito bem colocada “provocação” acadêmica. Sigamos em frente.