Astrologia, Aprendizado, Livros e Receitas de Bolo – Um Questionamento

torta zodiacalPerguntas pertinentes merecem boas reflexões e maiores detalhes como resposta. Nem sempre consigo tempo para fazer isso, mas aproveitei uma que a Maria Tereza Lopes Dantas me fez em particular para escrever este artigo. Pode ser que com ele mais gente possa ter novos insights e serem esclarecidas de alguma maneira. Esta não é uma resposta definitiva e inquestionável. Só parto do que observo por muito tempo dando aula e escrevendo e, até aqui, parece ser a melhor e mais adequada. O que mais achei bacana na questão abaixo foi o fato de que ela não foi uma imposição, não veio subestimando nem superestimando nada. É uma curiosidade que me pareceu genuína e manifesta de maneira gentil, apesar de poder expressar a insatisfação de alguns com um post que fiz há alguns dias em minha página (fanpage) no Facebook. Nele disse que “Astrologia não é receita de bolo” e que se seguíssemos somente o “decoreba” não haveria interpretação decente. Segue, abaixo, a pergunta, na íntegra, bem parecida com o que faria Gêmeos, por sinal, ou alguém com um belo, curioso e contestador Mercúrio, mas algo expressivo de elemento Fogo junto:

“Carlos, ainda não tenho seu livro mas vou lhe confessar que me intriga como fazer esse tipo de livro sobre trânsitos sem ser receita. Como???!!!!!”

Ótima pergunta, Maria Tereza! Como havia te pedido em particular para torná-la pública, com a resposta, aqui vão os detalhes. Antes de tudo, obrigado.

Na verdade, naquele post, eu me referia ao aprendizado em cursos, não a livros. Vou tentar te responder explicando isso e também diretamente o que perguntou, ok?

É muito comum ocorrer de alguns alunos terem pressa para interpretar mapas astrológicos e desejarem resultados com poucos dados. Desse modo, uma grande parte se pauta pela repetição de padrões que são trabalhados pedagogicamente para funcionarem como peças em um grande quebra-cabeças. Este talvez só possa ser devidamente montado observando três principais atitudes:

METROPOLIS_REDA) Conhecer bem cada uma das “peças” (leia-se signos, planetas, casas, aspectos etc) que o intérprete, em sua escolha de variáveis, irá usar (alguns usam ou não Lilith, outros só os sete planetas clássicos, outros estrelas fixas, outros asteróides e assim por diante, como coleção de variáveis a ler);

B) Aprender a integrá-los como frases ou parágrafos em uma linguagem, de modo coerente, tornando cada um daqueles “fragmentos”, partes de um todo. Seguir uma metodologia ou montar ele mesmo uma própria.

C) Entender que uma posição de planeta em casa, signo e casa ou configuração planeta + aspecto + signo + casa + outros planetas, apesar de possuir um modo padrão de expressão (a essência desses fatores), terá manifestações diferenciadas para cada pessoa, instituição ou situação (vide mapas horários e eletivos). Isso dependerá do contexto em que tais fatores e posicionamentos no mapa assumem aquelas características. Contexto sociocultural, histórico (o que ocorre para uma pessoa numa geração, mesmo que idêntico para outra de outra geração, manifestar-se-á com outras roupagens nesta última) e até familiar. A estrutura de um fator no mapa é sempre a mesma, mas as roupagens variam de contexto a contexto. Levar isso em conta pode fazer significativa diferença entre uma leitura “mais ou menos”, onde o interrogante se identifica e se ajusta, e uma reveladora, que pode nortear mais adequadamente quem procura leituras astrológicas.

Na imagem acima, um dos cartazes do filme “Metropolis”, de Fritz Lang, como analogia para o que escrevo aqui. Por um lado, as descrições cabais que “robotizam” modelos comportamentais e interpretações. Por outro, cada “peça” de nossa estrutura simbólica é parte de um todo que só funciona quando concatenado.

Daí o post lá do Face: há quem queira somente ouvir em aulas descrições-chave de comportamento, mas sem precisar fazer um esforço de adequação entre o que se decora e o que se manifesta. Um bom exemplo são as aulas de mitologia, que consistem em narrar em parte os mitos, relacioná-los a signos e planetas, a situações vividas ou possíveis e dar ao futuro intérprete uma maneira de encarar situações de consulta mais complexas com uma ferramenta a mais. Não bastasse isso, aprender mitologia e simbolismo desses fatores, com uma boa gama de correspondências, pode fazer a diferença entre decorar um padrão e ENTENDER o padrão. Conhecer raízes profundas da formação daquelo modus operandi aumenta as chances de fazer algo a respeito, de reconhecer sintomas, de ver que as coisas ali fazem sentido e que nós ajudamos a produzir realidades. Sendo bastante honesto, não consigo entender quando alguém se entendia com aulas teóricas, em que a raiz do pensamento, de expressões que vivemos é explorada e comparada com situações reais em potencial. A teoria é a ferramenta que nos ajuda a pensar, a não sermos bonecos guiados por procedimentos fechados. A teoria pode ser modificada, é móvel, apesar de precisar de bons argumentos para isso. Melhorei muito minha prática de desenho, por exemplo, simplesmente por estudar com afinco teorias de Gestalt e de Composição, em Artes. Os resultados atuais são visivelmente melhores, mas, usando uma analogia, há quem deseje apenas aprender a apertar parafusos e não a criar modos de fixação mais eficazes, se é que me entende. Em outras palavras, se sei que Saturno no Ascendente pode coincidir com lentidão e rabugice, para quê saber se ele é o símbolo da gravidade, do tempo, do peso, das estruturas, que “devora” (ou limita) seus filhos, que realiza penitência, que por causa da necessidade de estruturação abdica muitas vezes do ideal (Urano, cujos bagos foram “ceifados” por Crono). A diferença no exemplo acima é precisamente entender como as realidades podem se moldar de diferentes maneiras e quais as raízes daquelas potencialidades. Com isso pode-se reinterpretar o fator, fazer a interpretação evoluir, se desenvolver, tornar-se ainda mais satisfatória e intimamente coerente. Dá até para fazer livros que ultrapassam os modelitos tradicionais, feitos segundo o contexto de uma época, atualizá-los, reutilizá-los de modo criativo e eficiente.

FormacaoPresencial-Tijuca-cartaz-okOs livros e manuais são extremamente valiosos, sem sombra de dúvida. Fazem parte do aprendizado do astrólogo. Sem leitura constante e comparação dos dados escritos com as realidades que se apresentam, o intérprete de símbolos torna-se aprisionado em modelos prontos e aparentemente imutáveis. Entretanto, e já iniciando a resposta à sua pergunta, um livro de Astrologia que explica como se dá determinada configuração celeste não tem condições de flexibilizar do mesmo modo que uma situação real de consulta nem tampouco uma situação de orientação. Aquelas interpretações dadas nas “receitas de bolo” servem como referência, são trampolins ou bases sobre as quais podemos nos apoiar para realizar a interpretação propriamente dita. Esse é o grande valor de livros com descrições, sejam elas as de planetas em signos e casas, sejam as de trânsitos de planetas (mas veja o que escrevo um contraponto lá no final deste artigo). Muitas vezes o que está escrito caberá de modo praticamente literal ao que uma pessoa que apresente tais configurações vive. Porém, há, em igual proporção, pessoas que não se identificam de imediato com o que se descreve naquelas posições ou “fragmentos” do mapa. É aí que entra o entrecruzamento de dados, o comparativismo (entre o padrão descrito no livro e a realidade vivida), o bom senso, o ato de estabelecer a mescla de significados que as inter-relações de planetas entre si com as casas, signos etc permitem e são praticamente irrepetíveis. Se assemelham muito em suas estruturas, claro! Duas pessoas que tenham quadraturas T envolvendo um Saturno na casa 4 podem ter dificuldades expressivas no relacionamento com as figuras familiares, sobretudo o pai, pode trazer antigos medos de escassez vindos de antepassados em várias gerações e coisas do tipo. Só que para uma delas, aquele pai pode ser terrível, rigoroso ao extremo, e ausente, enquanto para a outra ele pode ter um histórico de fragilidades, doenças, perdas e similares, sem que o indivíduo tenha uma mágoa daquele pai. É isso que “receitas de bolo” astrológicas, em especial aquelas bem resumidas, as cabais, as sem margem de adaptação de caso para caso, não conseguem abordar. Elas podem, sim, dar o já citado ponto de apoio para o raciocínio, alguma informação estrutural de onde podemos partir para fazer uma leitura bem amarrada conceitualmente e que permita ao aluno e ao cliente estabelecerem o link necessário entre o que se lê e o que se vive. Esse é o ponto em que se liga o “interruptor” da capacidade individual de mexer em seus próprios padrões repetitivos ou de pelo menos, no caso de situações coletivas ou fortuitas, desviar-se o quanto possível do pior lado, procurando o melhor.

Não há, creio eu, como fazer astrologia sem usar referenciais como esses. Então, não é possível fazer um livro de trânsitos com descrições dos potenciais de um período marcado por um aspecto de um planeta sem recorrer a um “modelito”, como as famosas “receitas” (novamente, vide o contraponto ao final). Há diferenças, como as descrições absolutas e sem tonalidades, tantas vezes diferentes do que vivemos, e as que procurei dar no livro dos Trânsitos Planetários, com detalhes e aberturas a acréscimos. Num livro como esse, aliás, cabe às partes introdutórias deixar essa pista de que vários aspectos ocorrem simultaneamente e podem alterar a dinâmica do que é descrito num ou noutro. De fato, fiz isso até nas próprias descrições, ao dizer, em algumas delas, que “se outros aspectos/trânsitos indicarem algo diferente…” (ou escrevi algo bem parecido com o sentido desta frase). Assim, este livro, assim como qualquer outro bom trabalho publicado, pretende servir de referência para o livre pensar, para dar um “veículo”. Os incrementos e usos do veículo quem faz é o leitor e intérprete.

Por fim, o contraponto que prometi acima duas vezes: como fazer um livro sobre trânsitos ou progressões sem receitas de bolo? Até dá para fazer sim, só não sei se quem está começando a aprender vai usufruir ao máximo. Como? Eu faria uma série de artigos com mapas de exemplo, mostrando configurações e mais configurações realizadas por movimentos planetários sobre aqueles mapas. Mostraria coisas como “aqui neste caso, com Saturno no Meio do Céu, em quadratura com Netuno no Ascendente e com Júpiter na casa 7, o cônjuge pode viajar bastante, enquanto você tem problemas de saúde ligados à mãe e avó. Pode também ver as situações de trabalho bastante empacadas e sem perspectivas durante a fase, temendo pelo pior, mesmo diante de acenos de bons resultados para meses à frente”. Isso já seria bem distante das fórmulas fechadas, creio, e dá para fazer assim por centenas e centenas de páginas.

Grande abraço!

 

4 comentários em “Astrologia, Aprendizado, Livros e Receitas de Bolo – Um Questionamento

  1. Sim, o uso de “receitas de bolo” não funcionam à altura da individualidade e das particularidades de cada um! Julgo ser o maior dos desafios, na tentativa de interpretação de um mapa… Costumo dizer que é como se fazer uma “colcha de retalhos”; e confesso que, até hoje, ainda não consegui este feito do jeito que gostaria… Da mesma forma que muitos dos que tentam nos interpretar tb nos frustram um pouco! Acho que é difícil pra todo mundo… rs O auxílio do cliente é de fundamental importância neste momento tão rico, de troca entre ambos! Aliás, bom seria que todos estudassem Astrologia pra tentar entender os seus próprios mapas, mas isso já é querer demais, né? rs Adorei a sua explanação e estou louca pra mergulhar nas dicas do seu livro!!

    • Maravilha, Helô! Interpretação de mapa é “calo”, tem que treinar e treinar e treinar, desenvolver feeling e dominar as peças do quebra-cabeça, não necessariamente nessa ordem. Espero que o livro (que já enviei há alguns dias) contribua com sua trajetória às alturas. 🙂

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